Como escreve o próprio Lázaro este livro não é uma biografia. Trata-se de uma leitura bastante interessante que fala de forma abrangente sobre preconceito e discriminação racial, com uma base de pesquisa ampla e extensa (incluindo suas próprias vivências). Vem trazendo uma proposta de maior observação e vigilância na nossa conduta em relação ao outro.
Movido pelo desejo de viver num mundo em que a pluralidade cultural, racial, étnica e social seja vista como um valor positivo, e não uma ameaça, Lázaro Ramos divide com o leitor suas reflexões sobre temas como ações afirmativas, gênero, família, empoderamento, afetividade e discriminação.
Ainda que não seja uma biografia, em Na minha pele Lázaro compartilha episódios íntimos de sua vida e também suas dúvidas, descobertas e conquistas. Ao rejeitar qualquer tipo de segregação ou radicalismos, Lázaro nos fala da importância do diálogo. Não se pode abraçar a diferença pela diferença, mas lutar pela sua aceitação num mundo ainda tão cheio de preconceitos.
TRECHOS E FRASES:
"Para crescer, o Brasil precisa potencializar seus talentos, e o preconceito é um forte empecilho para que isso aconteça."
"A linha que costura este livro é a minha formação sobre esse tema, mas que, no fundo, é só um artifício para falar de todos nós."
"Toda boa viagem começa numa ilha, pelo menos pra mim. Amo as ilhas como amo me lembrar das mãos da minha mãe."
"Na ilha, o conceito de beleza era o nosso. Cresci com minha mãe e minhas tias dizendo que eu era lindo. Não tinha ideia se seria discriminado ou se as minhas escolhas ficariam mais difíceis por causa da cor da minha pele. O que eu entendia eram as limitações de uma família com pouco dinheiro."
"Por isso, digo sempre aos meninos e meninas que têm origem parecida com a minha: não há vida com limite preestabelecido. Seu lugar é aquele em que você sonhar estar."
"Minha mente entorta quando penso no tanto que a mentalidade escravagista ainda molda as relações patrão / empregado."
"Às vezes, para ser mito, basta fazer silêncio e a cara certa."
"Entretenimento e reflexão andam juntos."
"Mas quem é negro como eu sabe que a cor é motivo de discriminação diária, sim."
"O orgulho de minhas origens, porém, não se sobrepôs a um grande ensinamento que recebi em casa: o de não estimular a separação."
"Nomear é importante, é um exercício para não perdermos os atributos que nos distinguem, para provocar empatia com o outro. Um simples nome - como Cláudia - pode revelar a dimensão humana de alguém, gerando empatia e, consequentemente, valorização."
"Quase sempre, percebia que eu era o único negro dentro de um bar ou de um restaurante. Assim como no colégio, eu era a exceção."
"Antes de tudo, tinha certeza de que não precisava falar o tempo todo de discriminação. Não queria ser chato, queria apenas ser ouvido.
[...] Nunca em tom agressivo. A delicadeza era consciente mesmo. Foi o caminho que achei, não sei se melhor ou pior, mas foi o que era possível para mim. Quanto mais o tempo passava, mais eu sentia que eles prestavam atenção no que eu falava. Eu não estava fazendo uma panfletagem explícita. Hoje em dia de vez em quando, acho importante falar para incomodar. Mas naquele momento, decidi que existiam questões que não precisavam ser ditas, tinham de ser pensadas."
"E assim se desenvolveu uma carreira cujas informações você pode acessar em blogs, sites e entrevistas. O que não está disponível nesses lugares é algo que permaneceu comigo durante todo esse tempo, algo sensorial e difícil de descrever com palavras. Os desafios de ascender socialmente e se inserir em outra realidade sendo uma exceção."
"Mas não me desfaço da frase, ainda acredito que o lugar de cada um é aquele onde ele deseja estar."
"Quando nos prendemos muito a esse elogio da história pessoal ("ela veio da favela e conseguiu"), corremos o risco de dizer que o outro não conseguiu porque não quis, e isso não é verdade."
"Precisamos ter nossos registros, principalmente porque nossa cultura é muito oral e foi desprezada por décadas e mais décadas pelos que escrevem oficialmente a história."
"Nem tudo na vida é organizadinho e óbvio. A questão racial nos afeta sem às vezes nos darmos conta. Todo mundo conhece alguém que foi discriminado, mas numa roda ninguém levanta a mão para se dizer racista."
"Inundar uma criança com referências positivas sobre seu lugar no mundo é o primeiro passo para aumentar sua autoestima."
"A ideia da raça negra como sinônimo de degeneração parece ter perdurado."
"A equação não é simples, o fato de inserir o negro de forma positiva na mídia não significa que a sociedade o aceitará melhor."
"A escravidão mantinha de forma clara o papel de cada um na sociedade. Foi quando a escravidão começou a dar sinais de que iria terminar que o negro passou a ser uma preocupação."
"A imagem do negro ainda está muito ligada à pobreza. Então, em parte, há uma certa resistência do ponto de vista mercadológico a colocar negros em propagandas. E outra coisa é que a publicidade, do ponto de vista cultural, reflete as relações hierárquicas presentes na sociedade. Enquanto o negro for excluído e discriminado em todos os setores, não será maioria nos comerciais de TV, outdoors e anúncios de revistas e jornais. A publicidade não virá como elemento de vanguarda que vai mudar a imagem do negro perante a mídia. Ela vai mudar à medida que a sociedade for mudando sua resistência em relação ao negro."
"Muitas vezes o racismo faz com que a gente não trilhe nosso caminho e comece a pautar nossas ações pela demanda do preconceito. Às vezes não seguimos adiante porque paramos nos limites impostos pela sociedade, e nós temos que caminhar mais, temos que entender a complexidade das coisas, das pessoas, temos que ter liberdade. Até onde isso é uma ação ou uma resposta ao preconceito? Estou buscando a liberdade ou respondendo aos limites que o racismo me impõe? Quero crer que escolhi uma maneira de não viver pela demanda do racismo. Ao não aceitar caixas que seriam mais facilmente adaptáveis, busco a libertação."
"Olhar para o outro co desejo, potencializar o afeto por meio do toque, tudo isso traz autoestima e conforto. A morte pela solidão, por não receber um olhar de carinho, de desejo, é trágica."
"Exercite o olhar, sem preconceber nada."
Vídeo citado no livro:
Os efeitos do racismo em crianças.
O "teste de boneca" é uma experiência psicológica projetada na década de 1940 nos EUA para testar o grau de marginalização sentida por crianças afro-americanas causadas por preconceitos, discriminação e segregação racial. Dado o aumento considerável do fenômeno da migração na Europa nos últimos anos, decidimos recriar o teste com crianças italianas. Na verdade, milhares de migrantes pousam todos os anos na costa do Mediterrâneo em busca de um futuro melhor, alguns para melhorar suas condições econômicas, outros são refugiados políticos, fugindo de zonas de guerra, discriminação e às vezes perseguição étnica, religiosa ou política. 2015 foi considerado o ano da "invasão" que ameaçou acabar com os equilíbrios sociais, econômicos e culturais na Europa. A vigilância cada vez mais estreita das fronteiras e fronteiras poderia determinar, no entanto, um risco para aniquilar definitivamente qualquer possibilidade de diálogo ou integração. Em todos os países europeus vivem muitos migrantes de segunda, terceira e quarta geração, que agora são cidadãos de pleno direito dessas nações, como essas crianças italianas. No entanto, para muitos, eles permanecem "diferentes", "estrangeiros", uma definição perigosa que, nos últimos tempos, poderia ser conjugada de forma ilegítima com o fenômeno do terrorismo. Sem uma séria mudança política e social em perspectiva, corremos o risco de distorcer perigosamente a percepção que temos dos outros e a percepção de que os outros têm de si mesmos.
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