Ao mesclar memória e reflexões sobre a passagem do tempo, Lya Luft cria um pungente ensaio sobre as relações humanas, a infância, a juventude, o amadurecimento, a morte e o valor da vida.
O livro é divido em três partes — Águas mansas, Marés altas e A embocadura do rio, assemelhando o rio a passagem do tempo nas diferentes etapas das nossas vidas.
A escritora é sempre muito profunda nos seus pensamentos e textos, com isso o livro nos remete a muitas situações, algumas mais leves, mas em alguns momentos um tanto tocantes.
Como em toda sua obra Lya é um exemplo clássico da Literatura, aquela literatura que te faz usar o raciocínio para ter uma compreensão melhor e mais proveitosa da leitura.
Trechos e frases:
"O tempo transforma, a memória preserva, a morte ao fim absorve. (Ou devo escrever "absolve"?"
"Porque a memória é a guardiã da vida. E porque nesse reino do pensamento mágico, num mundo ainda informe, se prende a raiz do destino. É quando o tempo quase não existe: existe uma forma nebulosa de viver entre sonho e realidade, que depois quase todos perdemos. (Exceto os artistas e os loucos.)"
"- O tempo está sempre passando, é como água de um rio, a cada instante tudo muda. Até a gente não é a mesma pessoa de um segundo atrás."
"Cúmplices de nós mesmos nesse solitário brinquedo de existir, alternamos trabalho duro com euforia cintilante, desejo de se ocultar atrás de fantasias e o ímpeto de arrancar as máscaras e finalmente ser."
"(Antes de lhe darmos nome tudo se chama: enigma.)"
"Memórias e sonho porém resistem como ilhas no meio do rio."
"Pensava no significado da natureza, do vento, da chuva, do silêncio das noites numa cidade pequena em que depois de certa hora tudo adormecia menos eu, menos eu? Lá fora todas as coisas conhecidas, pessoas, árvores, casas, estavam agora afogadas num vasto tinteiro, noite sem estrelas, ruazinha sem iluminação, e no inverno nem ao menos vaga-lumes. (Era o Nada que queria me devorar.)"
"Não é preciso ter uma alma juvenil na maturidade ou na velhice, mas uma faísca de alegria, uma brecha para imaginação, vontade de dançar sem música. Isso vale mais do que todos os recursos da estética, da medicina, da psicologia, das mais belas viagens, e mesmo dos mais tocantes afetos."
"(Dores de crescimento furam os ossos da alma.)"
"Viver é estar num campo de batalha, as metralhadoras disparando o tempo todo. Atingem desconhecidos, ou alguém bem longe, mais próximo, ou no nosso lado. Um dia os atingidos seremos nós."
"Quanto mais dividida nesses cuidados, mais inteira fica a nossa vida. E o tempo de despedir, de deixar que se vá para viver seu tempo, esse filho, essa filha: essa dádiva que o tempo não faz empalidecer mas perdura quando quase todo o resto se esvai.
Porque tudo se vai e se transforma, eventualmente nos damos conta da importância máxima das coisas mínimas. É como escutar, num segundo de vigília no meio do sono, a respiração do mar."
"Não é fácil botar a cabeça para fora da montanha de compromissos importantes ou fúteis, analisar-se, descobrir-se e tomar decisões - ainda que sejam para melhorar a vida, a nossa e a dos que convivem conosco. A ilusão pode ser mais confortável, mas a verdade é mais simples, só não sabemos que verdade é essa."
"Uma distração qualquer, e a mão que se estende chega tarde, o pulso já fora cortado; por um fio, por um minuto, o avião havia partido, o telefone estva fora do gancho. Foi egoísmo nosso, futilidade, aridez? Descartamos o que não faz parte do nosso mundo. Porque somos perversos?
Porque somos humanos.
(Pensar dói.)"
"Dissabores fazem parte. (Maior devia ser a celebração da vida.)"
"O afeto pode ser maior do que o esquecimento."
"O tempo faz florescer paixões que fenecem logo adiante; ou transfigura um amor intenso na generosa árvore de uma longa boa relação. Mais uma vez, as contradições do tempo são as nossas: ele mata, ou eterniza, e para sempre estará conosco aquele cheiro, aquele toque, aquele vazio, aquela plenitude, aquele segredo."
""O tempo?", disse um personagem meu: "precisamos fazer dele nosso animal de estimação, ou ele nos devora.""
"(Amadurecer devia ser refinar-se.)"
"(Todo encontro especial é uma primeira vez.)"
"Viver é sentir a transformação do encanto esplêndido da juventude na potente força da maturidade, e depois na beleza peculiar da velhice."
"A vida é uma casa que construímos com as próprias mãos, criando calos, esfolando os joelhos, respirando poeira. Levantamos alicerces, paredes, aberturas e telhado. Podem ser janelas amplas para enxergar o mundo, ou estreitas para nos isolarmos dele. Pode haver jardins, pátio, por pequenos que sejam, com flores, com balanços, para a alegria; ou só com lajes frias, para melancolia.
Vendavais e terremotos abalam qualquer estrutura, mas ainda estaremos nela, e ainda poderemos consertar o que se desarrumou."
"..., melhor ter rugas de riso do que cara feito máscara de gesso."
"Se estamos num barco, é bom escutar as águas, apreciar as margens, tentar enxergar o porto de chegada: não com ânimo sombrio, mas como quem, em plena viagem, avalia o próximo cais e tenta se abrir para o novo que ali nos aguarda."
"Tudo que pareço inventar eu vivi, senti, seja em mim mesma, seja nos personagens criados pela minha fantasia ou nascidos do meu inconsciente - seja na observação de tantos anos das pessoas e das coisas, humanas, sociais, culturais. Estão também em todos os livros lidos, os filmes assistidos, as reportagens vistas, e nessas entrelinhas singulares mas reais de quem contempla mais do que corre ou se agita, por natureza e profissão."
"A cada dia, mesmo sem saber, e sem querer, estamos nos criando. Ninguém pode nos dizer que será fácil. O fácil pode ser desinteressante, e merecemos ao menos alguma vez fazer, querer, ser, o interessante, o audacioso, apesar dessa incrível sensação de fragilidade que nos acompanha."
"Não importa em que acredito. Importa que eu acredite mais na vida que na morte, mais na presença que na ausência: é o melhor que posso fazer por esses que, sem os perder, perdi."
"A morte pode ser o barco atracando em areias macias, ou o rio desaguando num oceano acolhedor. Como ninguém me prova o contrário, gosto de pensar assim."
"É preciso enfrentar isso que não controlamos, mas que não precisa nos destruir: a vida inevitavelmente fluindo. Pois nós também somos isso."
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