Alice Walker tem a voz supreendentemente suave para o discurso incisivo e a luta que trava no Movimento pelos Direitos Cívicos e pelos direitos das mulheres, em particular contra as mutilações que lhes são impostas. Em todo o mundo, ela é a conhecida autora negra, nascida em 1944 no sul dos EUA, que venceu a pobreza com bolsas de estudo e escreveu A Cor Púrpura (José Olympio, 1982), livro sobre racismo e superação.
A obra lhe rendeu prêmios importantes, como o Pulitzer e o National Book Award, e foi adaptada por Steven Spielberg para o cinema – o filme foi indicado a 11 Oscars e ficou sem nenhum, frustração que só ampliou sua ressonância.
Os brasileiros podem tê-la perdido um pouco de vista desde então, mas sua trajetória prosseguiu com a publicação de mais de três dezenas de livros de ficção, poesia e ensaios, a criação de uma editora militante, a Wild Trees Press, e uma atuação por vezes ruidosa pelos direitos civis – chegou a ser presa, mas logo solta, por protestar contra a atuação americana na Faixa de Gaza em 2003.
“Nada, entre prêmios e fama, é mais importante do que o que sinto e quero dizer em defesa das minorias em todo o mundo”, explica a autora em entrevista dada a revista CULT, por telefone.
Rompendo o Silêncio – Uma Poeta Diante do Horror em Ruanda, no Congo Oriental e na Palestina/Israel (Bertrand Brasil) combina um pouco de história e muitos depoimentos, conta como sobrevivem habitantes de regiões da África e do Oriente Médio que a autora visitou entre 2006 e 2009.
Trechos e frases:
"A guerra continua como uma doença para a qual ainda não se descobriu a cura."
"O que aconteceu com a humanidade? ... o que quer que estivesse acontecendo com a humanidade, estava acontecendo com todos nós."
"Não importa se a crueldade está oculta; não importa se os gritos de dor e terror estão distantes. Vivemos em um único mundo. Somos um único povo."
"Construir e ter um lar é um instinto primário do gênero humano, em toda a natureza..."
"Essa é uma das passagens mais belas para os seres humanos. É como se entrássemos por uma porta diferente da nossa realidade - quando alguém dá sua vida por nós. Por que isso ocorre é um mistério, mas é o mistério, eu acredito, por trás de todos os grandes mitos nos quais há sacrifício humano - não sobre um altar, mas na estrada, na rua - para o bem comum."
"Quando eu morava na Eatonton segregada, na Geórgia, costumava respirar aliviada somente na minha própria vizinhança, somente na parte negra da cidade. Nos outros locais, era muito perigoso. Um amigo fora espancado e jogado na prisão por ajudar uma garota uma garota branca, em plena luz do dia, a consertar a corrente da bicicleta."
"Onde estão
Os Pais de Todas as Crianças?
Os Protetores Mundiais de Todos os Doentes?"
"Esse é o legado das pessoas criadas na tradição cristã, verdadeiros crentes em cada palavra que Jesus proferiu sobre questões de justiça, misericórdia e paz. Isso se ajusta perfeitamente ao que aprendemos acerca da não violência de Gandhi, trazida para o movimento pelos direitos civis por Bayard Rustin, um estrategista gay. Muito se pensou sobre como criar "a comunidade amada", de modo que nosso país não fosse tomado por um ódio violento entre brancos e negros e pelo espetáculo - e sofrimento - contínuo de comunidades irrompendo em chamas. O progresso tem sido impressionante, e sempre amarei os habitantes do Sul - brancos e negros - pelo modo como cresceram. Ironicamente, mesmo com tanto sofrimento e desespero enquanto a luta por justiça nos testava, é nessa parte muito "atrasada" de nosso país que podemos encontrar atualmente a assistência, a consideração e a cortesia desinteressada."
"... nossos pais nos ensinavam a pensar nos racistas como pensávamos em outra catástrofe qualquer: deveríamos lidar com o desastre da melhor maneira possível, mas não aderir a ele, permitindo-nos odiar."
"Não odiamos os israelenses, Alice, diz ela serenamente. O que odiamos é ser bombardeados, ver nossas crianças vivendo com medo, enterrá-las, morrer de fome e ser expulsos de nossa terra. Odiamos gritar eternamente para o mundo abrir os olhos e ouvidos para a verdade do que está ocorrendo e ser ignorados. Mas não odiamos os israelenses."
"Sem preâmbulos, fui arrastada por várias mulheres ao mesmo tempo, e a dança começou. Tristeza, perda, dor, sofrimento, tudo foi pisoteado durante mais de uma hora. O suor escorria, bem como o pranto e as lágrimas, por toda a sala. E, então, deu-se o renascimento que sempre resulta de danças como aquela: a sensação de alegria, unidade, solidariedade e gratidão por se estar no melhor lugar que se poderia estar na Terra, com irmãs que tinham vivido intensamente o desastre e desejavam elevar-se acima de tudo aquilo."
"... ferir propositadamente qualquer um de nós significa prejudicar a todos nós."
"... a avareza e a brutalidade não estão limitadas a nenhum segmento da humanidade, mas crescerão em qualquer sociedade onde não sejam reprimidas."
"... promover a liberdade de outros liberta a nós mesmos."