quinta-feira, 23 de julho de 2015

"ROMPENDO O SILÊNCIO UMA POETA DIANTE DO HORROR EM RUANDA, NO CONGO ORIENTAL E NA PALESTINA/ISRAEL", ALICE WALKER - BERTRAND BRASIL



Alice Walker tem a voz supreendentemente suave para o discurso incisivo e a luta que trava no Movimento pelos Direitos Cívicos e pelos direitos das mulheres, em particular contra as mutilações que lhes são impostas. Em todo o mundo, ela é a conhecida autora negra, nascida em 1944 no sul dos EUA, que venceu a pobreza com bolsas de estudo e escreveu A Cor Púrpura (José Olympio, 1982), livro sobre racismo e superação.
A obra lhe rendeu prêmios importantes, como o Pulitzer e o National Book Award, e foi adaptada por Steven Spielberg para o cinema – o filme foi indicado a 11 Oscars e ficou sem nenhum, frustração que só ampliou sua ressonância.
Os brasileiros podem tê-la perdido um pouco de vista desde então, mas sua trajetória prosseguiu com a publicação de mais de três dezenas de livros de ficção, poesia e ensaios, a criação de uma editora militante, a Wild Trees Press, e uma atuação por vezes ruidosa pelos direitos civis – chegou a ser presa, mas logo solta, por protestar contra a atuação americana na Faixa de Gaza em 2003.
“Nada, entre prêmios e fama, é mais importante do que o que sinto e quero dizer em defesa das minorias em todo o mundo”, explica a autora em entrevista dada a revista CULT, por telefone.
Rompendo o Silêncio  Uma Poeta Diante do Horror em Ruanda, no Congo Oriental e na Palestina/Israel (Bertrand Brasil) combina um pouco de história e muitos depoimentos, conta como sobrevivem habitantes de regiões da África e do Oriente Médio que a autora visitou entre 2006 e 2009.

Trechos e frases:


"A guerra continua como uma doença para a qual ainda não se descobriu a cura."


"O que aconteceu com a humanidade? ... o que quer que estivesse acontecendo com a humanidade, estava acontecendo com todos nós."


"Não importa se a crueldade está oculta; não importa se os gritos de dor e terror estão distantes. Vivemos em um único mundo. Somos um único povo."


"Construir e ter um lar é um instinto primário do gênero humano, em toda a natureza..."


"Essa é uma das passagens mais belas para os seres humanos. É como se entrássemos por uma porta diferente da nossa realidade - quando alguém dá sua vida por nós. Por que isso ocorre é um mistério, mas é o mistério, eu acredito, por trás de todos os grandes mitos nos quais há sacrifício humano - não sobre um altar, mas na estrada, na rua - para o bem comum."


"Quando eu morava na Eatonton segregada, na Geórgia, costumava respirar aliviada somente na minha própria vizinhança, somente na parte negra da cidade. Nos outros locais, era muito perigoso. Um amigo fora espancado e jogado na prisão por ajudar uma garota uma garota branca, em plena luz do dia, a consertar a corrente da bicicleta."


"Onde estão
  Os Pais de Todas as Crianças?
  Os Protetores Mundiais de Todos os Doentes?"


"Esse é o legado das pessoas criadas na tradição cristã, verdadeiros crentes em cada palavra que Jesus proferiu sobre questões de justiça, misericórdia e paz. Isso se ajusta perfeitamente ao que aprendemos acerca da não violência de Gandhi, trazida para o movimento pelos direitos civis por Bayard Rustin, um estrategista gay. Muito se pensou sobre como criar "a comunidade amada", de modo que nosso país não fosse tomado por um ódio violento entre brancos e negros e pelo espetáculo - e sofrimento - contínuo de comunidades irrompendo em chamas. O progresso tem sido impressionante, e sempre amarei os habitantes do Sul - brancos e negros - pelo modo como cresceram. Ironicamente, mesmo com tanto sofrimento e desespero enquanto a luta por justiça nos testava, é nessa parte muito "atrasada" de nosso país que podemos encontrar atualmente a assistência, a consideração e a cortesia desinteressada."


"... nossos pais nos ensinavam a pensar nos racistas como pensávamos em outra catástrofe qualquer: deveríamos lidar com o desastre da melhor maneira possível, mas não aderir a ele, permitindo-nos odiar."


"Não odiamos os israelenses, Alice, diz ela serenamente. O que odiamos é ser bombardeados, ver nossas crianças vivendo com medo, enterrá-las, morrer de fome e ser expulsos de nossa terra. Odiamos gritar eternamente para o mundo abrir os olhos e ouvidos para a verdade do que está ocorrendo e ser ignorados. Mas não odiamos os israelenses."


"Sem preâmbulos, fui arrastada por várias mulheres ao mesmo tempo, e a dança começou. Tristeza, perda, dor, sofrimento, tudo foi pisoteado durante mais de uma hora. O suor escorria, bem como o pranto e as lágrimas, por toda a sala. E, então, deu-se o renascimento que sempre resulta de danças como aquela: a sensação de alegria, unidade, solidariedade e gratidão por se estar no melhor lugar que se poderia estar na Terra, com irmãs que tinham vivido intensamente o desastre e desejavam elevar-se acima de tudo aquilo."


"... ferir propositadamente qualquer um de nós significa prejudicar a todos nós."


"... a avareza e a brutalidade não estão limitadas a nenhum segmento da humanidade, mas crescerão em qualquer sociedade onde não sejam reprimidas."


"... promover a liberdade de outros liberta a nós mesmos."




domingo, 19 de julho de 2015

"ESTÓRIAS ABENSONHADAS", MIA COUTO - COMPANHIA DAS LETRAS



Depois de quase trinta anos de guerra, Moçambique vive agora um período de paz. Nestas Estórias abensonhadas, o premiado escritor Mia Couto capta um país em transição. Numa prosa poética e carregada das tradições orais africanas, o autor tece pequenas fábulas e registros que, sem irromper em grandes acontecimentos, capturam os movimentos íntimos dessa passagem.

Aqui, fantasia e realidade se entrelaçam e se impõem uma à outra, como num reflexo do próprio continente africano. O rio que atravessa essas veredas é a prosa de Mia Couto. Frequentemente comparada à de Guimarães Rosa e Gabriel Garcia Márquez, sua escrita transforma o falar das ruas em poesia, e carrega de magia a dura realidade de seu país. As palavras se combinam em inúmeros significados, e no menor dos enredos cabe tanto o lirismo quanto a guerra.





Trechos e Frases:



"Neste lugar não há pedacitos. Todo o tempo, a partir daqui, são eternidades."
  

"...nós temos olhos que se abrem para dentro, esses que usamos para ver os sonhos."


"Meus olhos se neblinaram até que se poentaram as visões."


"O sempre lhe era pouco e o tudo insuficiente. Dizia, deste modo: -Tenho que viver já, senão esqueço-me."


"Aflição é ter um pássaro branco esvoando dentro do sono."


"... escuta, meu irmão, escuta este silêncio. O erro da pessoa é pensar que os silêncios são todos iguais. Enquanto não: há distintas qualidades de silêncio. É assim o escuro, este nada apagado que estes meus olhos tocam: cada um é um, desbotado à sua maneira."


"A solidão lhe doía como torcicolo em pescoço de girafa."


"O pouco se fazia tudo e o instante transbordava eternidades."


"A mulher, subvivente, somava tanta espera que já esquecera o que esperava. Justino guardava ferrovias, seu tempo se amalgava, fumo dos fumos, ponteiro encravado em seu coração. Entre marido e mulher o tempo metera a colher, rançoso roubador de espantos. Sobrara o pasto dos cansaços, desnamoros, ramerrames. O amor, afinal, que utilidade tem?"


"A lágrima é água e só água lava tristeza."


"As estrelas são os olhos de quem morreu de amor. Ficam nos contemplando de cima, a mostrar que só o amor concede eternidades."


"A janela: não é onde a casa sonha ser mundo?"


"Toda a estória se quer fingir verdade. Mas a palavra é um fumo, leve demais para se prender na vigente realidade. Toda a verdade aspira ser estória. Os factos sonham ser palavra, perfumes fugindo do mundo."


"Sua única substância foi um suspiro."


"De noite, os seres mudam seu valor. O dia mostra os defeitos do mundo: rugas, poeiras, vincos, tudo na luz se vê. À noite se olha mais, se vê menos. Cada ser se revela apenas pela luz que dele emana."


"Toda madrugada confirma: nada , neste mundo, acontece num súbito."


"Neste tempo uterino o mundo é interino."


"Para sonhar o menino tinha que sangrar."


"Onde há uma palmeira sempre deve ser inventado um mar..."


"O medo é um rio que se atravessa molhado."


"O avesso da vida não é a morte mas uma outra dimensão da existência."


"Cada homem tem suas paixões viscerando-lhe dentro. Eu entrarei em ti para que não haja despedida, carne em carne."


"O sentimento, dizia ele, não tem logaritmo. Por isso, nem se justifica a sua equação."


"Não me intriga a voz visível mas a outra, silenciosa, subcorpórea, capaz de tantas linguagens como a água. Outrodizendo: eu quero adivinhar é os gemidos delas, esse resvalar de asas na frente do abismo, o arrepio da alma perdendo morada."


"Beijo não se dá nem se recebe. A vida é que beija, recíproca. Repito, mano: a vida é que nos beija, dois seres se resumindo num único infinito."


"Corpo de mulher não basta ter qualidades: é preciso ter qualificações."


"... nos amores sexuais não há macho nem fêmea. Os dois amantes se fundem num único e bipartido ser."


"Me formei em tristezas, sou cursada. A dor o que é? A dor é uma estrada: você anda por ela, no adiante da sua lonjura, para chegar a um outro lado. E esse lado é uma parte de nós que não conhecemos. Eu, por exemplo, já viajei muito dentro de mim..."


"Sofro, afinal, a doença da poesia: sonho lugares em que nunca estive, acredito só no que não se pode provar."


"A gente se desmoça só de tocar a atmosfera."


"A vida é água endurecendo a pedra. Afinal, requer-se fartura de coração."


"Escrevo como Deus: direito mas sem pauta. Quem me ler que desentorte as palavras."


"Certas felicidades só chegam com o não saber."


"Poesia não sara quem a vida não consola."


"Mas as belezas se subtraem: a gente vê a borboleta e esquece a flor."